Com tanta crise que para aí anda, com tão pouco dinheiro que nos abana no bolso, com tanta tristeza que torna o mundo num reflexo do nevoeiro da serra dos meus pais, poderia estar certo de que esse mesmo mundo iria acabar amanhã - por certo, ninguém me desmentiria. Viria logo o Vasco Pulido Valente dizer que eu é que tinha razão e que o mundo não só estava para morrer como, aliás, já havia morrido.
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«Sr. Albino, por favor, mais um uísque.»
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Vivemos tempos perigosos, propícios às mortes colectivas, aos holocaustos suicidas e às depressões sumárias, embaladas em caixões de mortos vivos - que à custa de prozacs ainda se passeiam pela rua com um ar cinzentão, como o nevoeiro da serra dos meus pais.
Mas com o tempo, fui aprendendo que todos somos mais ou menos malucos, tendencialmente suicidas e um tanto ou quanto homicidas do nosso bem-estar. Somos uma réplica constante de um tsunami sentimental que gostaríamos de ser - somos uma espécie de Antero de Quental mais ou menos, sem coragem para nos sentarmos no jardim e apertarmos o gatilho.
Somos a versão dos The Cure do novo século, mas desta vez sem pó de arroz e com menos melo dramatismo - agora é foleiro sofrer, é foleiro morrer de amores por quase nada - por isso mesmo, morremos para dentro e fazemos da nossa vida a crise em que se transformou a existência do nosso mundo.
Quantas vezes é que acordamos e pensamos: estou aqui a fazer o quê? Depois, tomamos banho e seguimos em frente, entramos no jogo vicioso do andar por andar, do estarmos aqui sem sabermos bem o porquê. Em pequeninos queríamos todos ser poetas, agora ficamos contentes em sermos aquilo que temos a sorte de ser - e convenhamos, já não é assim tão mau.
Há tempos descobri que a internet, ou como os geeks chamam "a rede", veio mudar um pouco o mundo. Antes estávamos sozinhos com o nosso uísque, actualmente estamos sozinhos com o nosso uísque, mas em frente a um computador.
Antes, bebíamos uísque e pensávamos como era triste o mundo e as pessoas em geral, hoje pensamos o mesmo, mas temos a nossa timeline. E no twitter, ou no facebook, ou no blog, ou noutra rede qualquer, pensamos o mesmo e gritamos ao mundo: mundo és uma bela de uma merda! E o resto do mundo, que nos tem na timeline, faz um enorme "gosto", como que se de um "check-in" no nosso coração se tratasse. Aleluia! Agora já não estamos sós! Há mais quem à uma da manhã grite e "retuíte" o mesmo que nós estamos a pensar.
Não sei se "a rede" veio desvirtuar as relações pessoais, mas estou certo de que veio dar um novo fôlego à nossa vida. O Antero hoje sentar-se-ia no mesmo banco, apontaria a pistola à cabeça e na altura de apertar o gatilho o iPhone tocaria, a anunciar uma Direct Mensage do Twitter. O seu amor afinal queria voltar. Rapidamente poria o "Just like heaven" a tocar no Facebook e faria um check-in no Foursquare. Talvez até tivesse sido feliz.