mostra-me que me amas, mas não me digas
Esta é uma polaroid antiga. Tirei-a há uns dois anos durante uma palestra proferida pelo Francisco Varatojo no Instituto Macrobiótico de Portugal, no Chiado, em Lisboa. Foi uma daquelas coisas "de grátis", como ouvi uma vez um senhor dizer, e para as quais a minha amiga G., que tem uma agenda cultural de borlas sempre à mão, costuma arrastar-me.
O Varatojo é um tipo com muita piada. Embora tenho umas teorias estranhas sobre a alimentação que não me convêm nada, como não devermos comer tomate (logo eu que sou defensora da dieta mediterrânica), acerta em muitas outras que têm a ver com o que ingerimos mentalmente. E a polaroid de que falo agora, e só esta semana foi revelada com todas as cores, tem a ver com o poder masculino e o poder feminino.
Dizia o Varatojo, e toda a palestra, que versava sobre relacionamentos, estava baseada nesta premissa, que a principal causa de as relações (heterosexuas, ele só falou nessas) não darem certo prende-se com o facto de os papéis, as características e as idiossincrasias de cada sexo terem-se invertido, confundido e baralhado. Os homens começaram a assumir lados femininos que não é suposto e as mulheres lados masculinos que também não é suposto. Na altura, aquela ideia misturada com o ying e o yang, e mais não sei quê, cheirou-me a comida macrobiótica, saudável e tal, mas pouco apaladada. Para não dizer que, com o mau feitio gustativo que me é característico, senti um picantezinho a machismo.
Pois o Varatojo (não confundir com o senhor que nos falava de crimes e investigações) tinha razão.
Não tem a ver com tarefas domésticas; com quem dá banho aos filhos, cozinha ou arranja o candeeiro da sala... As tarefas marianas não têm sexo, dependem da aptidão, do gosto, do bom senso e do companheirismo e respeito; e aqui pode ou não haver lugar ao machismo e ao feminismo, ou "femischismo", ou "machisfemismo", que sei eu, e da educação que cada um trouxe de casa.
Tem a referida premissa a ver com aquilo que distingue o homem da mulher, a energia masculina da energia feminina, com aquilo que desde o início dos tempos nos prometeu uma guerra dos sexos, que apimenta as relações e dá graça ao facto de continuarmos a embrulharmo-nos com o sexo oposto. Somos iguais em direitos e deveres, mas não somos iguais em interesses, actos, contrições, omissões, desejos, manifestações da nossa sexualidade e visões do mundo e da realidade. Não queria aqui falar da famosa metáfora da caça e do caçador... mas o problema é que não me ocorre mais nenhuma. A mulher, sendo caça (desculpem lá a metáfora outra vez), sabe que acaba sempre por decidir os condimentos todos do cozinhado e até o grau de teperatura no forno. Então porque não deixar-se ser caçada? (suspeito que vão chover insultos)
Algures, nos últimos tempos, começámos a esquecer o que nos torna únicos. Isso gerou a confusão. As mulheres estão habituadas a viver em confusão, desde que se levantam até que se deitam, porque isso só cria mais oportunidades para fazerem o que sabem fazer melhor do que ninguém: organizar, encaixar em timelines e grelhas de expectativas calculadas à lupa das suas aspirações. Os homens não. Perdem-se e refugiam-se em tarefas unidisciplinares, uma coisa de cada vez... para não gerar mais confusão. No meio disto tudo, na lista de prioridades, o amor acaba tantas e tantas vezes por ficar para o fim.
Os homens, diz-se, e dizem alguns deles também, andam confusos, com medo e desacreditados no amor. As mulheres, diz-se, e dizem algumas delas também, andam confusas, com medo e a fingirem-se desacreditadas no amor.
Há um exemplo ou uma tentativa de explicação, em particular, que quero deixar impressa nesta polaroid, e que talvez seja transversal a isto: as mulheres são muito boas e muito rápidas. Estão à frente ainda antes da puberdade, sempre antes dos rapazes, e têm tido dificuldade em domesticar o seu lado controlador e super organizado, enfermo da maravilhosa síndrome multitask.
Nas relações é preciso que as mulheres dêem espaço aos homens para escolher. Para escolher como amam, como se dedicam, como se organizam, como se compreendem. É preciso devolver-lhes o poder de decisão. Não que decidam pelas mulheres ou que sequer se atrevam a decidir sobre o que a mulher deve ou não fazer, mas sobre o que eles próprios querem e como querem fazer. As mulheres, custa-me admitir, de tão fantásticas e completas, têm vindo progressivamente a castrar o homem, naquilo que ele, e todo o ser humano, tem de mais rico e inalienável - o poder de decidir sobre a sua vida. O poder, inclusive, de perder-se e encontrar-se como e quando quiser.
Chega de preocupações excessivas sobre o seu bem estar, chega de confundir amizade e companheirismo com maternalidade desviada (só os filhos é que precisam disso, ok?). Basta de desejarem que os homens se ponham a partilhar tudo e tudo, e de fazer psicanálise no sofá lá de casa (quando muito, dêem-lhes o contacto de um bom psicólogo, mas depois não andem a perguntar de cinco em cinco minutos se ele já marcou consulta). Párem de andar preocupadas com o "era tão bom se", e o "porque é que ele não...", vou dizer-lhe. Shiu! Não digam. Os 'se', os 'não' e os 'sim' são lá com eles. Dêem-lhes espaço para recuperar a sua masculinidade.
Enquanto não perceberem isto das duas uma: ou têm homens banana ou ratos: Os primeiros são uma seca... os segundos também ninguém quer; saltam do navio assim que ele começa a zarpar para a Ilha dos Amores. E até o romântico do Camões, como sabemos, naufragou.