Esperança e perseverança
What holds your hope together/make sure it's strong enough
Winning, The Sound
Não gosto de falar de esperança. Da esperança nasce o medo, já diziam os Antigos (notavelmente o estóico Séneca nas suas cartas a Lucílio). Mas nestes dias cinzentos por dentro e por fora de que poderemos falar?
A minha esperança é como esta da canção de Adrian Borland, dos velhos The Sound: uma esperança precária, cosida por frágeis fios invisiveis que não sei se são suficientemente fortes. É uma esperança ambígua, como o é esta aparentemente triunfante canção. Fala de recomeço e de persistência, de levantarmo-nos sempre que caímos, de nadar quando nos estamos a afogar. Mas primeiro tivemos que cair, primeiro quase fomos ao fundo.
Não posso porém dizer que sou um pessimista. Isso parece-me demasiado dramático, uma encenação teatral destinada a chamar as atenções. Além disso o pessimista não age – compraz-se nas certezas que possui e não há nada mais perigoso e maçador, não necessariamente por esta ordem. Não, prefiro céptico, uma atitude de dúvida sistemática que pode ser irritante para os optimistas – a variante em pólo positivo dos pessimistas – mas que pelo menos leva ao questionamento permanente e a uma distância higiénica das certezas terrenas. Para quem não possui a natureza humana em grande consideração é a atitude a ter.
Mas há surpresas. A adversidade costuma trazer uma suspensão na descrença na Humanidade e mais uma vez aconteceu isso mesmo: o apelo desesperado de um pai mediático levou à criação de um improvável exército de dadores de medula óssea; a noção de voluntariado ganha força e número real de efectivos; por todo o lado contam-se histórias de até agora anónimos portugueses que por força das câmaras e das palavras passam justamente a «extraordinários».
Haverá razão para ter esperança, então? Talvez. Parece pelo menos haver a consciência de um «humanismo do Outro», em que o Outro se torna a prioridade e não a fronteira. O abandono total a esse conceito é o cerne da doutrina cristã. Quanto tempo irá durar o estado actual de bondade é dificil de dizer. Provavelmente até à proxima época de prosperidade
Não gosto de falar de esperança. Prefiro a palavra perseverança, misto de esperança e persistência. Abracemo-la mas antes estejamos certos que aquilo que a une é suficientemente forte.